ARTÍCULO ORIGINAL
Diagnóstico e tratamento do câncer infantil: implicações para a vida do cuidador
Diagnóstico y tratamiento del cáncer infantil: implicaciones para la vida del cuidador
Diagnosis and treatment of children cancer: implications in the caregiver's life
Dailon de Araújo Alves, Felice Teles Lira, Luanna Gomes da Silva, Giovana Mendes de Lacerda, Izabel Cristina Santiago Lemos, Grayce Alencar Albuquerque, Marta Regina Kerntopf
Universidade Regional do Cariri (URCA). Brasil.
RESUMO
Introdução:
Apesar dos grandes avanços na terapia oncológica, o câncer ainda
é uma doença de diagnóstico estritamente interligado ao medo
da morte que exerce grande impacto sobre a criança afetada e sua família,
em razão dos estigmas e mitos presentes na sociedade. Em todos os casos,
os cuidadores necessitam realizar mudanças drásticas nas suas vidas
em função do tratamento da criança com câncer.
Objetivo:
compreender as implicações para a vida do cuidador familiar frente
ao diagnóstico e tratamento da criança com câncer.
Métodos:
estudo descritivo e exploratório, com utilização de abordagem
qualitativa, tendo como sujeitos da pesquisa, cuidadores familiares de crianças
diagnosticadas com câncer.
Resultados:
A partir da análise dos dados coletados emergiram 10 categorias temáticas
que esboçaram as alterações ocorridas na vida do cuidador durante
o período de diagnóstico e tratamento da criança com câncer.
Conclusões:
Os cuidadores são submetidos a diversas alterações em suas rotinas
cotidianas, indo desde a confirmação do diagnóstico, até
a finalização do tratamento e podem afetar sobremaneira, a sua qualidade
de vida, uma vez que o cuidado dispensado à criança precisa ser estabelecido
de maneira integral.
Palavras chave: neoplasias; criança; cuidadores.
RESUMEN
Introducción:
a pesar de importantes avances en la terapia contra el cáncer, el cáncer
sigue siendo una enfermedad de diagnóstico relacionada con el temor de
la muerte y ejerce un gran impacto en los niños afectados y sus familias,
debido a los estigmas y mitos presentes en el imaginario de la sociedad. En
todos los casos, los cuidadores necesitan hacer cambios profundos en sus vidas
debido al tratamiento de niños con cáncer.
Objetivo: comprender las implicaciones para la vida de los cuidadores ante
el diagnóstico y tratamiento de niños con cáncer.
Métodos:
se realizó un estudio descriptivo, utilizando un enfoque cualitativo, teniendo
como sujetos de la investigación a los cuidadores familiares de niños
diagnosticados con cáncer.
Resultados:
a partir del análisis de los datos se obtuvieron 10 categorías temáticas
que describen los cambios en la vida del cuidador durante el diagnóstico
y tratamiento de niños con cáncer.
Conclusiones:
los cuidadores sufren varios cambios en su rutina diaria, que van desde la confirmación
del diagnóstico a la finalización del tratamiento y pueden afectar
en gran medida la calidad de vida, ya que el cuidado de los niños en tratamiento
oncológico debe establecerse de una manera integral.
Palabras clave: neoplasias; niño; cuidadores.
ABSTRACT
Introduction:
Despite the important advances in cancer therapy, the disease remains a diagnostic
disease related to the fear of death, and has a great impact on affected children
and their families, due to the stigma and myths present in the societal imaginary.
In all cases, caregivers need to make profound changes in their lives because
of the treatment of children with cancer.
Objective: To understand the implications in the caregivers' life of
the diagnosis and treatment of children with cancer.
Methods: A descriptive study was carried out, using a qualitative approach,
having the family caregivers of children diagnosed with cancer as subjects
of the investigation.
Results: From the analysis of the data 10 thematic categories were
obtained, which describe the changes in the caregivers' life during the diagnosis
and treatment of children with cancer.
Conclusions: Caregivers undergo several changes in their daily routine,
ranging from diagnosis confirmation to treatment completion, and they can
greatly affect quality of life, since caring for children under cancer treatment
must be established in a comprehensive integral way.
Keywords: Neoplasia; child; caregivers.
INTRODUÇÃO
Apesar dos grandes avanços na terapia oncológica, o câncer ainda se apresenta como uma doença de diagnóstico estritamente interligado ao medo da morte, levando consigo uma carga de sofrimento para o indivíduo e seus familiares.1
Aliado a essas características, o fato de uma criança ser diagnosticada com câncer, provoca grande impacto, não apenas na criança, mas também em sua família, em razão de estigmas e mitos da doença oncológica presentes no imaginário social e que influenciam negativamente no processo de aceitação da patologia.2
Cada família difere na sua maneira de agir ao lidar com o enfrentamento da descoberta do câncer na criança. Sendo crucial para os pais o conhecimento sobre a doença e o esclarecimento de suas dúvidas acerca desses mitos.2
É nesse momento, diante do câncer infantil, que o profissional da saúde deve conhecer sobre como funciona a dinâmica familiar frente ao diagnóstico do câncer na criança, para assim buscar aperfeiçoar seu cuidado, responsabilidade, sensibilidade e escuta, além de adaptar sua oferta de cuidados às necessidades dos que vivenciam a experiência desse diagnóstico.3 O profissional deve ser um educador e cuidador familiar, exercendo sua maior aptidão.4
Em todos os casos, os cuidadores da criança com câncer, necessitam realizar mudanças drásticas no seu roteiro cotidiano. Trabalho, lazer, relações familiares; todos esses fatores são alterados consideravelmente em função do tratamento da criança.5
Como toda patologia grave, o câncer gera na criança e sua família: sofrimento, angústia, dor e medo, acarretando grandes transformações em suas vidas. Essas modificações na vida do paciente oncológico e dos seus familiares não são oriundas somente da evolução da doença, porém, sim, de um contexto mais amplo, que engloba fatores sociais, emocionais, afetivos, culturais e espirituais.6
Nessa perspectiva, o presente estudo teve como objetivo compreender as implicações para a vida do cuidador, com foco nas dificuldades associadas ao tratamento e às mudanças no contexto familiar decorrentes da confirmação do diagnóstico e tratamento do câncer infantil, a partir de relatos dos próprios cuidadores.
O estudo foi realizado com o objetivo de compreender as implicações para a vida do cuidador familiar frente ao diagnóstico e tratamento da criança com câncer.
MÉTODOS
A pesquisa desenvolvida apresentou um cunho descritivo e exploratório, com a utilização de abordagem qualitativa. O local onde foi realizada a pesquisa se trata do Instituto de Apoio à Criança com Câncer (IACC), localizado no município de Barbalha, distante 575 km da capital Fortaleza, estado do Ceará.
São assistidas nessa instituição 35 crianças, com seus respectivos acompanhantes, totalizando 70 pessoas, as quais são procedentes de várias cidades circunvizinhas.
A escolha por esse local de estudo ocorreu mediante o fato de o IACC ser pioneiro na região do Cariri, nesse segmento; oferecendo suporte necessário às crianças oncológicas e aos seus cuidadores familiares, constituindo-se dessa forma, em um ambiente apropriado para a realização da pesquisa.
Os sujeitos envolvidos na pesquisa foram cuidadores familiares de crianças diagnosticadas com câncer, que estejam em tratamento quimioterápico ou radioterápico. Além disso, foram considerados também como critérios de inclusão no referido estudo, os seguintes aspectos: Possuir idade igual ou superior a 18 anos, conviver diretamente com a criança, devendo o cuidador, inclusive, residir no ambiente domiciliar da mesma e estar cadastrado/a juntamente com a criança, na instituição IACC.
Como critérios de exclusão foram adotados: pessoas com transtornos psiquiátricos que inviabilizassem sua compreensão da realidade e usuários sob o efeito de sedativos que causassem alterações em maior ou menor grau em suas funções motoras ou mentais, impedindo ou comprometendo a expressão verbal.
Após a seleção, os sujeitos que foram escolhidos e concordaram com os objetivos da pesquisa, mediante a assinatura de termo específico para tal finalidade, foram individualmente entrevistados e as informações colhidas serviram como fonte para a análise e interpretação da temática em estudo, sendo respeitado em todos os momentos, a identidade e a confidencialidade dos dados fornecidos.
A coleta de dados ocorreu em agosto de 2013, sendo empregada a entrevista do tipo semiestruturada. As entrevistas foram aplicadas individualmente e em ambiente desprovido de influências externas. O conteúdo proveniente do diálogo estabelecido entre pesquisador e sujeito da pesquisa, foi armazenado em equipamento eletrônico destinado para tal finalidade. As perguntas utilizadas no roteiro da entrevista apresentaram cunho subjetivo, com o intuito de explorar em sua totalidade, todo o conhecimento que o entrevistado possuía em relação à temática analisada.
Os diálogos foram dados por encerrados, quando se identificou semelhanças no conteúdo das falas dos sujeitos (saturação dos dados). Após o término das entrevistas, o conteúdo oriundo das gravações foi devidamente transcrito, para posterior análise. Os cuidadores familiares participantes da pesquisa foram designados mediante a utilização de pseudônimos, tendo dessa maneira, a sua identidade resguardada.
O material empírico proveniente das entrevistas foi organizado em categorias e a interpretação do conteúdo deu-se segundo os pressupostos da Análise Temática.7
O projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Regional do Cariri (URCA), sendo observados todos os parâmetros inerentes a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde/ Ministério da Saúde, a qual dispõe sobre pesquisas envolvendo seres humanos (BRASIL, 2013), aprovado sob parecer: 705.027
RESULTADOS
Perfil dos Sujeitos da Pesquisa
Participaram como sujeitos da pesquisa, 10 cuidadores familiares de crianças diagnosticadas com câncer, com faixa etária entre 27 a 49 anos de idade, sendo 90 % do sexo feminino. Todos eram procedentes de cidades circunvizinhas ao instituto (Crato, Milagres, Farias Brito, Brejo Santo, Aurora, Várzea Alegre, Assaré, Lavras da Mangabeira) e estavam há no mínimo, seis meses, acompanhando as crianças em tratamento oncológico.
A grande maioria possuía ensino fundamental incompleto (80 %) e eram agricultores (60 %).
Núcleos Temáticos
A partir da análise dos dados coletados emergiram as seguintes categorias temáticas que esboçam as alterações ocorridas na vida do cuidador durante o período de diagnóstico e tratamento da criança com câncer: 1) A definição de câncer, segundo a ótica do cuidador; 2) O impacto para o cuidador familiar; 3) O tratamento e suas dificuldades; 4) A distância da cidade natal; 5) As dificuldades econômicas; 6) O cuidador diante da exigência hospitalar e da adaptação à nova cidade; 7) Afastando-se do trabalho; 8) A separação da família; 9) A perda do vínculo social e 10) A importância da relação cuidador e criança.
DISCUSSÕES
Núcleo Temático 1 - A definição de câncer, segundo a ótica do cuidador
Essa primeira categoria representa a percepção e/ou compreensão que o cuidador possui acerca da definição da patologia "câncer" em um contexto mais abrangente, independente de ser o câncer na criança ou em qualquer outra faixa etária.
Assim, surgiram várias opiniões com relação à definição de câncer, desde as mais estruturadas, até aquelas marcadas unicamente por elementos subjetivos, cujos conteúdos estão descritos a seguir:
"Eu acho que é uma doença genética, hereditária, que desenvolve com o tempo, independente de situação financeira, de cor, de raça, que qualquer pessoa pode ter" (Esperança).
"Pra mim, era uma doença terrível que não tinha cura. Era, mas agora, eu já entendo mais um pouco" (Fé).
"Significa uma doença assim, perigosa" (Aceitação).
"Eu sei dizer assim, que é uma doença muito, muito, perigosa [...]" (Angústia).
Diante dos discursos obtidos, observa-se uma forte tendência dos sujeitos associarem a doença câncer, a algo de caráter perigoso, terrível, incurável e que pode acometer qualquer pessoa. Esse tipo de pensamento é sustentado pelo fato do câncer exercer impacto negativo na vida das pessoas, não apenas pela sua repercussão social e econômica, mas em virtude do sofrimento que afeta o paciente e sua família, sendo na maioria das vezes diagnosticado tardiamente onde os recursos disponíveis para o tratamento são apenas paliativos.8,9
Por outro lado, alguns entrevistados não conseguiram de fato, explicar o que seria câncer, como pode ser evidenciado nos trechos que seguem:
"Eu mesmo não sei assim explicar, não" (Superação).
"Eu não sei nem explicar" (Incerteza).
Esse tipo de posicionamento dos sujeitos em relação a pergunta realizada, revela a falta de conhecimento sobre essa doença, cujos sintomas iniciais são semelhantes aos de outras patologias, implicando por sua vez, em um diagnóstico e tratamento tardios.10
Núcleo Temático 2 - O impacto para o cuidador familiar
De acordo com Avanci et al,11 o paciente oncológico e sua família defrontam-se com estigmas e mitos que essa doença traz, gerando impactos nesses indivíduos. Eles, por sua vez, protestam, se desesperam, negam e se chocam diante do diagnóstico de doenças crônicas, como é o caso do câncer.
Para os cuidadores é muito difícil a aceitação, pois uma condição como o câncer acaba trazendo-lhes sentimentos de culpa e de tristeza frente a dor e ao sofrimento da criança. 12
As falas a seguir demonstram as reações dos cuidadores familiares ao receberem a notícia de que suas crianças eram portadoras de câncer:
"[...] chorei muito [...] fiquei triste, fiquei preocupada demais, logo tinha uma sobrinha minha que tinha também, o dela era linfoma, [...] ela faleceu já vai fazer seis anos" (Angústia).
"Bom quando o médico disse, assim, que ele tava com o câncer, eu fiquei assim, nossa, sem palavra. É que nem eu tava dizendo, fiquei sem palavra, eu nunca achei, nunca pensei de um dia, depois de cinco filho que eu tive, seis com ele, de um dos seis, ter esse problema, né" (Incerteza).
Por outro lado, houve cuidadores que expressaram em seus argumentos, um sentimento mais profundo e, ao mesmo tempo, negativo, diante da confirmação do diagnóstico. Os trechos que seguem revelam esse tipo de sentimento:
"Ave maria, eu fiquei tão preocupada, imaginando que o menino ia morrer" (Desespero).
"Aí eu senti muita coisa, eu senti achava assim, que eu já, pra mim, eu já tinha perdido ele, por que muita gente falava pra mim que o câncer é uma doença que mata rápido, né, ela pode matar rápido" (Superação).
"Pra mim foi um desespero, eu pensei que ela ia morrer. Eu pensei que ela ia morrer depois que foi descoberto" (Fé).
Saber conversar com os familiares e compreendê-los diante das suas limitações, quaisquer que sejam elas, é uma responsabilidade que todo profissional que lide com oncologia pediátrica deve assumir plenamente, em especial porque a ideia de morte ainda é muito associada ao câncer e representa um grande obstáculo na vida dos cuidadores de crianças em tratamento oncológico. Para Almeida e Santos13 é importante que os diálogos considerados decisórios em um tratamento sejam realizados com a participação de mais de uma pessoa vinculada a criança, pois conversar apenas com um dos membros da família ou só com o paciente, aumente consideravelmente a responsabilidade da informação portada e da decisão, o que acarretará na diminuição do apoio que todos precisam naquele momento.
O mais importante é esclarecer a esses pais ou responsáveis por essas crianças, que o câncer infantil tem cura e que a busca pelo estabelecimento do diagnóstico precoce, ainda é a melhor decisão a ser tomada.10
Núcleo Temático 3 - O tratamento e suas dificuldades
O cuidar de uma criança em fase de terapêutica contra o câncer exige do acompanhante uma série de atributos, dos quais na maioria das situações, ele não se encontra preparado o suficiente diante de tamanha responsabilidade. Aspectos que dizem respeito ao local onde são realizados os tratamentos, a falta de dinheiro para custear pequenas despesas, a adaptação a novos lugares ou até mesmo, o acesso livre ao hospital, são questões que interferem substancialmente no contexto do cuidado dispensado à criança oncológica.
Núcleo Temático 4 - A distância da cidade natal
Na maioria dos casos, o local onde são feitas as sessões de quimioterapia ou radioterapia, concentram-se em regiões demasiadamente distantes da cidade de origem dos pacientes e de seus respectivos cuidadores, constituindo dessa maneira, em um grande entrave para a efetivação da terapia. Os depoimentos a seguir, traduzem esse pensamento:
"Aí foi só no começo, no começo teve uma dificuldade de transporte" (Amor).
"Transporte. Foi o transporte" (Fé).
"Não, assim o mais difícil é o transporte, por que às vezes, quando a gente assim, amanhece chovendo, quando a gente não pode descer pra rua assim, pra pegar o carro na Secretaria, eles não que dá outro carro pra gente vir. [...]. Nos sábados eles não dão o carro lá, de jeito nenhum, [...] se perder o primeiro carro, eles não dão outro" (Aceitação).
De acordo com Klassmann et al.4 o distanciamento dos centros de tratamento constitui uma vertente importante a ser considerada no panorama terapêutico-assistencial, não só pelo simples fato do deslocamento, como também, a criança com câncer pode encontrar-se indisposta para deixar sua residência, em virtude da debilidade ocasionada pelas quimioterapias antineoplásicas.
Núcleo Temático 5 - As dificuldades econômicas
Além disso, associado a questão do deslocamento, está presente o fato de que muitos cuidadores não dispõem de condições socioeconômicas satisfatórias para auxiliar na realização do tratamento. Segundo Rodrigues, Jorge e Morais14 o cuidador familiar se preocupa, não apenas com a criança que está doente, como também, com os filhos que ficaram em casa, com as atividades domésticas, com alterações de ordem financeira no orçamento da família, demonstrando por sua vez, que as extensões hospitalares não são suficientes para distanciá-lo do mundo externo, da vida anterior à ocorrência do câncer e da hospitalização.
As falas que seguem, expressam essas informações:
"Eu sei que nós passemos mais de seis meses, só vino assim, as minhas custas, do meu bolso. Um dia tinha, outro dia tomando emprestado, outro dia era o meu pai que arranjava, sempre era assim" (Incerteza).
"E como a gente não tinha renda, né, benefício, tudo, tudo tava, mas a gente pedindo a Deus, tudo foi se encaixando. [...] mas graças a Deus, a família se reuniu e ali foi ajudando, um dava uma coisa, outro dava outra, pra que a gente, pra que eu pudesse toda semana tá aqui (hospital) [...]" (Amor).
Vale ressaltar, que mesmo diante das dificuldades de ordem financeira, os cuidadores entrevistados não desistiram do tratamento de suas crianças.
Núcleo Temático 6 - O cuidador diante da exigência hospitalar e da adaptação à nova cidade
Diante dos argumentos citados anteriormente, dois entrevistados revelaram opiniões divergentes daquelas expressas pela maioria, quando questionados sobre as dificuldades enfrentadas para a realização do tratamento do câncer infantil. Para o primeiro, a dificuldade enfrentada estava relacionada com o processo de adaptação a cidade onde ocorria a terapia oncológica. Já o segundo, expressou um sentimento de indignação, ao saber que o hospital responsável pelas sessões de quimioterapia, inicialmente, o proibiu de acompanhar seu filho no tratamento, por ser um cuidador do sexo masculino. Os trechos a seguir apontam esses fatos:
"A dificuldade que eu realmente, assim, que a gente vem pra um lugar que não tem família, você não conhece, aí a dificuldade foi essa" (Medo).
"Não, o mais ruim que eu achei, foi no começo, por que não queriam aceitar eu vir com ele, né. Assim lá no hospital, não aceitavam o pai e tudo, né, por que eu sei que é de lei mesmo vir só as mães" (Superação).
Após a exposição de todas as falas pertinentes a essa categoria, Castro15 afirma que o cuidador de uma criança com câncer estará sujeito a diversos tipos de mudanças, como deslocamentos para municípios distantes do seu local de origem, assim como, outros tipos de dificuldades, como questões financeiras, oriundas do tratamento; gerando dessa forma, preocupações e angústias.
De acordo com a menção de uma fala do cuidador "Superação", sobre o fato de ter sido impedido pela instituição hospitalar de acompanhar o seu filho no tratamento oncológico, por ser do sexo masculino, Dupas et al16 ressalta a importância da ressignificação do papel do pai, no cuidado ao filho oncológico, onde o mesmo deve ter a oportunidade de reconstruir o seu papel, estabelecendo um processo de interação e afetividade com o filho, como também, redirecionando a sua vida e superando preconceitos.
Núcleo Temático 7 - Afastando-se do Trabalho
O fato de ter que abdicar do trabalho para acompanhar a criança, interfere diretamente em questões pessoais e, principalmente, financeiras. Para Ortiz e Lima17 o cuidador familiar precisa reorganizar suas atividades para acompanhar a criança, sendo submetidos dessa forma, a uma reestruturação familiar, tanto no âmbito da vida social, como financeira.
Os trechos a seguir comprovam essa afirmação:
"Sabe o que é que foi, que eu abandonei, é que eu ajudava na roça meu marido e também lavava roupa pra poder ganhar um tustão, pra poder viver, por que lá em casa eu não tinha salário, né, de nada, só esse Bolsa Família e só ele não dava pra mim ficar assim. Aí eu ficava lavando roupa pro povo, agora isso, nem lavar roupa mais eu não posso lavar [...], mudou, coisou muita coisa lá em casa [...]" (Desespero).
"Mudou tudo, assim, por que eu trabalhava ajudando meu marido e depois não tive mais tempo, só me dediquei somente a ela (a criança) e a casa." (Fé).
"Não, por que eu sempre, eu fui assim, a gente, eu sempre trabalhei lá, eu que mantenho a casa em tudo, né, e depois disso não [...]" (Superação).
E essa organização direcionada ao cuidado da criança, requer na maioria das vezes, um rompimento direto com a atividade profissional realizada, comprometendo sobremaneira, a renda da família.
Núcleo Temático 8 - A separação da família
Outro aspecto afetado na vida do cuidador está relacionado com a separação familiar. Mesmo sendo algo de natureza temporária, todos os membros da família acabam afetados por esse distanciamento. As falas que seguem, expressam essas reflexões:
"Ah! O que mudou [...], ficar distante de casa, da família, mudou muito. A irmã dela se sente muito só, ela se reclama muito. Meu esposo se areclama menos, ele se areclama menos" (Medo).
"Ah! A gente fica assim, mais diferente, né. A gente não tem mais aquela alegria que a gente tinha antes, não. Por que a gente abandona um, pra cuidar de outro, [...] meu marido trabalha [...], e ela (a outra filha) fica lá só, ela disse que já acostumou ficar sozinha" (Aceitação).
"Mudou muita coisa pra mim, quer dizer, pra mim, minha família [...]" (Incerteza).
Segundo Angelo, Moreira e Rodrigues 18 torna-se difícil para o cuidador manter a unidade familiar, pela sua ausência física no ambiente de casa e isso, muitas vezes, implica na realização de escolhas, fazendo com que esse cuidador estabeleça como prioridade aquilo que corre mais risco: a vida da criança com câncer.
Núcleo Temático 9 - A perda do vínculo social
E além das questões mencionadas anteriormente, dois cuidadores revelaram através de seus depoimentos, a falta de disposição para a realização de outras atividades, em virtude da dedicação exclusiva dispensada à criança em tratamento. Os trechos a seguir, demonstram esses pensamentos:
"Mudou tudo. Por que a gente não é aquela pessoa mais alegre, que a gente era. Mudou a vontade de sair assim um final de semana" (Compreensão).
"Eu acho que tudo muda, assim, que a gente para tudo, se você trabalhava, você tem que parar de trabalhar, se você podia sair com ele [filho] pra ver alguma coisa, hoje em dia, você já não pode mais. [...] aí a gente também, assim, esquece muito, deixa mais de lado por conta de dar atenção pra ele, de passar mais tempo pra ele" (Esperança).
De acordo com Santos e Gonçalves,6 através da descoberta do câncer infantil, até então uma experiência não vivenciada, muitos cuidadores familiares veem-se obrigados a deixar para trás, tudo aquilo que lhes era prazeroso e fazia parte da sua rotina. Passear, ir a festas, trabalhar, interagir com outras pessoas em momentos de lazer são atividades que deixam de fazer parte das suas vidas; uma vez que toda a atenção deve estar direcionada ao cuidado e acompanhamento da criança em tratamento.
Núcleo Temático 10 - A importância da relação cuidador e criança
O cuidar de uma criança em terapia oncológica, exige que o cuidador esteja preparado para lidar, não só com aspectos pessoais e/ou psicológicos, como também, econômicos. O tratamento, que em boa parte dos casos, é prolongado e marcado por recaídas constantes, transforma a criança em um ser suscetível e o pai, mãe ou responsável, precisa ampará-la de maneira integral, proporcionando todo o suporte necessário, no sentido de evitar o agravamento daquela situação. O amor, o afeto, o carinho, a amizade, a sinceridade, são elementos que devem ser explorados e trabalhados continuamente na díade: cuidador familiar e criança com câncer.
De acordo com Angelo, Moreira e Rodrigues18 estar presente e poder acompanhar o tratamento da criança representa sobremaneira, uma segurança para o cuidador. Além do mais, a necessidade de estar ao lado desse menino ou menina durante a terapia, transmitindo-lhe força é fundamental. E vale ressaltar também, que quanto mais o cuidador se sente acolhido e aceito, mais livre se sente para questionar e esclarecer suas dúvidas, assim como, criar competências de que necessita em cada fase do tratamento.
Todos os cuidadores entrevistados mostraram-se capazes de prover o suporte pessoal à criança, conforme pode ser evidenciado nas falas a seguir:
"Graças a Deus que sim, por que assim, o que a gente puder fazer, a gente faz. Eu penso assim, que se eu não der, depois eu vou me sentir culpada [...]. Consigo dar suporte emocional a ela, graças a Deus" (Fé).
"Eu! Ave maria, eu vô até o fim, confiando em Jesus, vô até o fim. Até quando disser assim: tua filha tá curada. Eu tô com ela [...]. Nós tamoalí até o fim, até quando Deus disser assim: pronto, chegou o teu fim, a tua filha tá curada. [...] minha vida é 24 horas perto dela, junto com ela" (Amor).
"Eu, enquanto vida eu tiver, minha saúde, minha coragem, eu vou apoiar ele, vou ficar cuidando sempre dele, jamais eu vou cansar e querer abandonar, não poder aguentar mais, não, eu não penso isso, não. Eu penso assim, de ajudar tanto mais, quanto mais ajudar, melhor pra ele" (Incerteza).
Além do mais, Gomes e Erdmann19 mencionam que a capacidade de gerar o cuidar está presente na raiz do ser humano, na capacidade de expressar os seus sentimentos, possibilitando dessa maneira, aos cuidadores familiares sua auto- realização em plenitude com os outros.
Estar ao lado da criança nesse momento tão desafiador é uma maneira de encorajá-la a dar seguimento ao tratamento, mesmo esse sendo muito doloroso, em todos os aspectos.20
De fato, mediante toda a problematização voltada a situação do cuidador e da criança, faz-se necessário no âmbito hospitalar, a criação de estratégias que possam inseri-los em uma assistência mais integral e humanizada.
Tais estratégias podem ser: a capacitação teórica e técnica dos profissionais que lidam com a oncologia pediátrica; estabelecimento de uma equipe multiprofissional, onde todos os membros atuem na perspectiva não só da criança em tratamento, como também, do cuidador que a acompanha; criação de grupos de cuidadores, buscando estimular o debate e a troca de experiências; formação de parcerias com casas de apoio e fortalecimento da tríade profissional-criança-cuidador.
Diante de todo o apanhado, o cuidar dispensado por um cuidador familiar à uma criança em tratamento oncológico é mais do que uma mera responsabilidade, é algo que transcende todos os obstáculos e tem a finalidade de resgatar a vida para aqueles que ainda não a conhecem, plenamente.
Em conclusão, os cuidadores são submetidos a diversas alterações em suas rotinas cotidianas, indo desde a confirmação do diagnóstico, até a finalização do tratamento e podem afetar sobremaneira, a sua qualidade de vida, uma vez que o cuidado dispensado à criança precisa ser estabelecido de maneira integral.
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Recibido: 2016-01-15.
Aprobado: 2016-02-05.
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