ARTÍCULO ORIGINAL
Reorganização da rede familiar após Acidente Vascular Encefálico
Caregiver representations about there organization of family network after stroke
Reorganización de la red familiar después del accidente vascular encefálico
Jamile Guerra Jam
Universidade Federal da Bahia. Brasil.
RESUMO
Introdução:
pesquisa que versa sobre as modificações prováveis sofridas pela
rede familiar que possui um ente idoso acometido - acidente vascular encefálico
- em idoso, descrevendo as mudanças ocorridas no contexto familiar
após o agravo.
Objetivos:
compreender a reorganização da rede familiar após acidente vascular
encefálico.
Métodos:
estudo descritivo, qualitativo, realizado no domicílio de idosos dependente
por Acidente Vascular Encefálico, em Paulo Afonso/BA. Participaram de entrevista
individual semi-estruturada, com apoio de gravador de voz e roteiro prévio,
trinta pessoas que se detinham ao cuidado de pessoas idosas. Utilizou-se a Técnica
de Análise de Conteúdo Temática para o tratamento dos dados.
Resultados:
as categorias trabalhadas neste estudo foram intituladas respectivamente: Reação
familiar (união dos familiares; falta de união familiares); Modificação
na rotina familiar; Não houve modificações. Conclui-se a família
precisa se reorganizar dentro da sua dinâmica para se adaptar a nova realidade
e acolher ao idoso dependente após sofrer o AVE, implicando em modificações
ou não da rotina frente ao contexto, sugerindo assim uma atenção
especial da equipe de saúde, que deve ampliar o seu olhar para o idoso
e sua rede familiar.
Palavras chave: acidente vascular encefálico; envelhecimento; família.
RESUMEN
Introducción:
investigación que se ocupa de los posibles cambios sufridos por la red
familiar que tiene un anciano afectado por accidente cerebrovascular, describe
los cambios en el contexto de la familia después de la lesión.
Objetivos:
comprender la reorganización de la red de la familia después del accidente
cerebrovascular.
Métodos:
estudio descriptivo, cualitativo llevado a cabo en el hogar con mayores dependientes
por accidente vascular encefálico en Paulo Afonso / BA. Participaron en
entrevistas individuales semiestructuradas con voz y grabadora de apoyo, guion
previo, una treintena de personas que tenían el cuidado de los ancianos.
Se utilizó la técnica de análisis de contenido temático
para el tratamiento de los datos.
Resultados:
las categorías que se trabajaron en este estudio fueron tituladas respectivamente:
Reacción de la familia (la unión de la familia, la falta de unidad
de la familia); Cambio en la rutina de la familia; No hubo cambios. De ello
se desprende que la familia necesita reorganizar dentro de su dinámica
para adaptarse a la nueva realidad y abrazar a las personas mayores dependientes
después de sufrir el golpe, lo que resulta en cambios en la rutina o no
fuera del contexto, lo que sugiere una atención especial por parte del
equipo de salud, el cual debe ampliar su mirada a los ancianos y su red familiar.
Palabras clave: accidente cerebrovascular; envejecimiento; familia.
ABSTRACT
Introduction:
Research that deals with the likely changes undergone by the family network
that has an elderly being affected - Stroke - stroke in elderly, describing
the changes in the family context after the injury.
Objective:
Understand the reorganization of the family network after Stroke.
Methods:
A descriptive, qualitative study carried out at home by elderly dependent because
vascular encephalic accident in Paulo Afonso / BA. Participated in semi-structured
individual interviews with voice and previous script recorder support, thirty
people who held the care of the elderly. We used the thematic content analysis
technique for the treatment of the data.
Results:
The categories worked in this study were respectively entitled: Family Reaction
(union of the family, lack of family unity); Change in family routine; There
were no changes. It follows the family needs to reorganize within its dynamic
to adapt to the new reality and embrace the dependent elderly after suffering
the stroke, resulting in changes or not routine outside the context, thus suggesting
a special attention from the health team, which must expand his gaze to the
elderly and their family network.
Keywords: Stroke; aging; family.
INTRODUÇÃO
O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é a nomenclatura mais atual para o Acidente Vascular Cerebral (AVC). AVE compreende apenas uma porção do Encéfalo, que é o cérebro, excluindo dessa forma o cerebelo e o tronco encefálico.
Para a população leiga; o termo mais utilizado é o "derrame", que se refere apenas ao AVE hemorrágico, o que exclui cerca de 80 % dos casos de origem isquêmica.1
Este estudo sobre as alterações vivenciadas pela família consequentes a acometimento por Acidente Vascular Cerebral-AVE em idoso, descrevendo as mudanças ocorridas no contexto familiar após o agravo.
As doenças cardiovasculares (DCV) vêm ocupando posição de destaque entre as causas de mortalidade em muitos países, e espera-se ainda que estes altos índices de mortalidade encontrados venham evoluir no ano de 2030 para 23,3 milhões de pessoas. Esta condição pode ser justificada pelo aumento das populações, aumento das expectativas de vida, e aumento dos fatores de risco, considerados clássicos a exemplo de hipertensão, diabetes, tabagismo, dislipidemia e obesidade.2
O AVE ocupa posição de destaque como causa mortis, com prevalência relevante do segundo episódio da síndrome, quando dois milhões de pessoas que conseguem sobreviver apresentam algum tipo de incapacidade e necessitam de ajuda de terceiros para realizar as atividades da vida diária.3
De caráter crônico, o AVE bem como outros agravos que possuem cronicidade, costuma gerar forte potencial de estresse devido às sequelas geradoras de dependência funcional, tanto no doente quanto em sua família e, assim, consegue causar reações distintas em cada ente familiar envolvido na situação da doença.4 Assim, ocorrem repercussões na ordem natural do núcleo familiar, que comprometem o equilíbrio em termos de afetividade, economia e relações de poder, demandando uma reorganização da rede familiar.5
O surgimento de agravos, como o AVE demandam ações de decisão e enfrentamento por parte da família, no sentido de atender às necessidades do paciente, sejam estas emocionais, financeiras ou outras. Deste modo, também, emerge a implementação do cuidado a partir da família do idoso que sofreu AVE, em especial a partir do familiar cuidador, que se torna incumbido da prestação de assistência direta ao enfermo. A família, que vivencia o AVE e suas sequelas, experimenta uma crise situacional que requer o ganho de habilidades frente as necessidades impostas pela patologia e suas sequelas que objetivem a não desordem do equilíbrio familiar.6
Neste trilhar, a pesquisa tem por questão norteadora: Quais as mudanças ocorridas na família a partir da implementação dos cuidados a estes idosos?
Desse modo, emergiu como objetivo deste estudo compreender a reorganização da rede familiar após acidente vascular encefálico.
MÉTODOS
Trata-se de um de abordagem descritiva, qualitativa, recorte de uma dissertação de mestrado, tendo como cenário da pesquisa o município de Paulo Afonso/Bahia, em duas Estratégias de Saúde da Família - ESF, a primeira E.S.F Perpétuo Socorro e a segunda E.S.F Américo, situadas ambas na zona urbana da cidade.
Participaram da pesquisa 30 cuidadores familiares de idosos (as)que se tornaram dependentes após acometimento por Acidente Encefálico. Estes informantes se encontravam numa faixa etária entre 22 e 76 anos. O procedimento para a visita domiciliar percorreu os seguintes passos: visita as Estratégias de Saúde da Família, apresentando o projeto à enfermeira responsável pela unidade, comunicação informal com as agentes comunitárias de saúde sobre as micro-áreas e pacientes que possuíam sequelas provenientes do agravo acidente vascular encefálico. Em seguida, as famílias foram visitadas e após conversa explicando a pesquisa e seus objetivos, agendamos de acordo disponibilidade da mesma, o momento para aplicação de técnicas.
Os critérios de inclusão utilizados; cuidador familiar principal, de idosos dependentes, acometidos por acidente vascular encefálico e cadastrados em Unidades de Saúde da Família do município de Paulo Afonso/Bahia. E os critérios de exclusão; cuidador familiar principal, com tempo inferior de três meses do cuidado e que após ser procurado por três visitas consecutivas, não seja encontrado no domicílio.
Foi solicitada a colaboração dos agentes comunitários de saúde da área, com vistas à familiaridade das comunidades e maior possibilidade de adesão da clientela ao estudo. Para a produção dos dados empregou-se a técnica de entrevista individual semiestruturada que ocorreu durante os encontros, previamente agendados, com duração, em média, de uma hora, no mês de maio de 2014. Nos encontros, valorizou-se a espontaneidade das respostas, bem como a flexibilidade no momento das perguntas, proporcionando assim um ambiente o mais informal possível, e fazendo com que pesquisador e participante estabelecessem um vínculo de confiança, enriquecendo as falas.
A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (CEP/UESB), sob o protocolo de nº 635.528. Os participantes assinaram o TCLE e para preservar o anonimato, enumeraram-se os mesmos com algarismos alfanuméricos precedidos da letra P (participante). Assim, este estudo foi apresentado aos participantes com o roteiro de entrevista, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) sendo estabelecido um diálogo onde as indagações puderam ser respondidas.
Para tanto, foi feita a seguinte indagação: Quais as mudanças ocorridas na família a partir da prestação de cuidados ao idoso? Utilizou-se ainda, o gravador de áudio, de maneira a garantir as informações coletadas em armazenamento e confiabilidade.
Os dados produzidos foram submetidos à Técnica de Análise de Conteúdo Temática8 de onde emergiram as categorias do estudo.
RESULTADOS
A partir da realização de entrevistas e aplicação das técnicas propostas, como se permite a pesquisa qualitativa, houve a inserção e impregnação da pesquisadora do campo de pesquisa, e de posse do material a ser analisado passou-se a interpretação do mesmo de modo a buscar as respostas as questões advindas do estudo.
Desse modo, por meio da produção dos dados, alcançaram-se as Unidades de Análise - UA que deram origens às categorias, permeando as modificações do contexto familiar percebidas por cuidadores de idosos que sofreram AVE, as quais são apresentadas no quadro 1, a seguir:
A família é uma rede social solidificada historicamente e reconhecida em relevância no que condiz aos cuidados de saúde, constituindo um desafio discuti-la em seus pormenores, visto que a mesma possui uma complexidade de aspectos passíveis de entendimento e compreensão.7
Nesta perspectiva, encontra-se a categoria denominada Reação Familiar, que faz referência às subcategorias união e desunião entre os familiares, correspondente a aproximação ou afastamento desses membros familiares no contexto de cuidar de pessoa idosa dependente.
Assim, encontram-se
nas falas dos participantes da pesquisa, manifestações de que após
a instalação da doença no âmbito familiar, os componentes
dessa rede se uniram em favor do bem comum, que seria então, o cuidado
ao idoso acometido por Acidente Vascular Encefálico, como exposto nas
- UA seguintes.
[...] a família ficou mais unida (P01).
[...] que agora as outras filhas vêm mais aqui, vem todo dia (P02).
[...] acho que tem mais união (P01).
[...] a gente tá muito unido (P01).
[...] antes era tudo afastado (P02).
Como demonstrado nestas Unidades de Análise, alguns participantes fazem referência a membros da família que se dispuseram a cuidar frente a necessidade imposta pela patologia.
Contudo, as variadas repercussões causadas pela instalação de doenças demonstram-se, na maioria das vezes, ambíguas, ora apresentando aspectos positivos; como uma rede de apoio, união e solidariedade, entre amigos e familiares, bem como, incorporação de novos comportamentos capazes de estimular o cuidado com à saúde, ora com aspectos negativos; como afastamento de parentes e amigos, cansaço pela carga extensiva de cuidados, alterações abruptas nos hábitos costumeiros da família, manifestação de sentimentos de tensão e ansiedade.8
Nas próximas UA percebe-se a demonstração dos aspectos negativos, em suma, a falta entre os parentes, diante do acontecimento da doença com o idoso familiar dependente.
[...] da minha parte, eu achei minha família mais afastada da gente depois disso (P03).
[...] a gente não conta muito com a família, desde que aconteceu isso (P03).
[...] percebi mudança na família, assim, afastada da gente, não é mais como era (P04).
[...] os filhos foram duas vezes, chegava na porta do quarto e voltava (P04).
[...] uns se afastou porque não gosta de vê ela assim, só tem eu mesmo (P05).
[...] os outros se afastaram porque não quer vê ela assim e porque não sabe cuidar do jeito que eu cuido (P05).
[...] mudou que eu to só, cuidando dele, só eu pra cuidar dele, nenhum outro filho chega junto (P06).
Estas UA denotam que a família não conseguiu manter os laços de união que existiam anteriormente em seu conjunto e, pelos motivos já considerados preferiram se afastar da situação a enfrentá-la. Assim, percebe-se a real necessidade de trabalhar junto às famílias de idosos que sofreram o AVE, no sentido de capacitá-las com esquemas de enfrentamento da patologia em âmbito domiciliar, dedicando esforços para preservar a sinergia dessa rede.
A segunda categoria, intitulada Modificações na rotina familiar, descreve as mudanças apontadas nas falas dos participantes, em contexto familiar após acometimento do idoso por AVE.
Após a ocorrência de um AVE a maioria dos sobreviventes adquire uma carga de sequelas neurológicas e, desse modo, apresentam deficiências no falar, deambular, na visão e até mesmo nos sentidos. Assim, se tornam dependentes de outra pessoa para realizar as atividades as quais se encontra impedido pelas limitações impostas pela patologia, surgindo, então, o familiar cuidador.
O familiar cuidador surge, quase sempre, das relações familiares fragilizadas em virtude da doença, requerendo uma reorganização em seu arranjo e nas dinâmicas de convivência comuns, a fim de atender às demandas do paciente.9
Assim foram evidenciadas modificações na rotina no que diziam respeito aos cuidados prestados ao idoso no domicilio, como se pode observar nas falas adiante:
[...] mudar só nos cuidados (P09).
[...] a gente tem que dar banho tem que levar no banheiro (P10).
[...] tomo conta dele (P11).
[...] muito trabalho prá cuidar dele, é isso, é trabalho mesmo, é um tratamento trabalhoso (P12).
[...]a atenção é maior agora na doença (P13).
[...] ah, mudou muito, eu me preocupei mais (P14).
O que se pode compreender é que à medida que o idoso necessita de mais atenção da família e mais cuidado da mesma, no momento em que se torna dependente para a realização de suas tarefas diárias e costumeiras é que se percebe a modificação no sentido de se despender mais cuidados ao idoso que agora se tornou debilitado na realização de suas atividades costumeiras.
O familiar cuidador participa pró ativamente na terapêutica do idoso, desde os cuidados com alimentação, medicações, supervisão de consultas, até as atividades sociais e de lazer.10 Isso faz perceber o quanto é importante a inserção desse cuidador na rotina do idoso dependente após o AVE, e o quanto esta modificação ocorre intrinsecamente ao processo de dependência domiciliar do mesmo, na realização das atividades de vida diária e suas necessidades.
Ainda foi evidenciado, o abandono da vida social como modificação da rotina familiar e assim, se compreende que muitos dos cuidadores se eximiram de realizar outras atividades de cunho social, para se dedicarem somente ao cuidado do idoso dependente em sua família, conforme explicitado nas UA a seguir.
[...] eu deixei de trabalhar pra ficar com ela (P15).
[...] ah, o que mudou é que eu sou costureira, bordadeira e nunca mais comecei não (P17).
[...] depois disso para cá não fiz mais nada, só cuidando dele (P18).
[...] a gente fica assim, a gente não pode sair de casa, se dedica exclusivamente a ele (P19).
[...] há dez anos que eu não saio prá nada (P20).
Destarte, o cuidador pode ir adquirindo a sua missão gradativamente ou de forma imediata, tomando decisões conscientes, em um processo dinâmico que parece seguir regras, havendo prevalência de quatro fatores bastante comuns neste processo como: relações de parentalidade, com predominância de cônjuges ou filhos; questões de gênero, com a prevalência da mulher como cuidadora; aproximação física, considerando a convivência no mesmo lar; a aproximação emocional predominando parceiros afetivos, pais e filhos.11
Ainda foi percebido que os sentimentos e humor da família sofriam modificações ao passo que atendiam as necessidades do idoso dependente após acidente vascular cerebral. Enfaticamente, em casos de patologias crônicas, as mesmas se apresentam como elementos estressores presentes no seio familiar e repercutem em desordens no seu funcionamento habitual, provocando alterações de ordem afetiva, financeira, até as relações de poder,5 conforme demonstrado nas seguintes UA.
[...] eu da minha parte, eu sinto que não tem mais aquela alegria dentro de casa (P21).
[...] a vida da gente acabou (P22).
[...] era muito alegre e a tristeza bateu (P23).
[...] o medo da perca, muito grande, muito (P23).
[...] e é uma família zuadenta e ficou cada dia mais fechada, com medo de tudo (P24).
Algumas manifestações em UA ainda expressaram alívio, sossego, diante da chegada da doença e o rompimento de situações de descontentamento, ressaltando que estas foram evidenciadas por cuidadores que eram cônjuges do idoso.
[...] Depois do AVC eu acho que ficou mais fácil que antes, ele me dava muito trabalho (P25).
[...] não me dava sossego antes, agora eu cuido dele, faço comida (P25).
[...] Que ele só é doente, mas por uma parte eu acho bom (P26).
[...] num vou mentir a ninguém, acho bom, ele era muito raparigueiro, eu num nego a ninguém (P26).
[...] vivia bêbado na rua, chegava de madrugada, agora aquietou, e eu tô cuidando dele (P26).
Cada família percebe o cuidado de acordo com seu contexto histórico de saberes, hábitos, costumes, modos de comunicação, crenças e a teia de relações que foi construída com o idoso.12 Incumbe respeitar o modo de cada uma perceber as modificações depois do AVE, pois estes variam do contexto sócio cultural de cada família.
Um outro ponto a ser destacado inserido no campo das modificações, diz respeito percepção pelos cuidadores da inversão de papéis relacionadas ao fator geracional, de maneira que os filhos, em sua maioria cuidando dos pais, assumem o papel que os pais realizaram por toda sua vida anterior ao agravo, o que pode ser evidenciado nas próximas UA.
Antes ela era a dona da casa, fazia tudo e hoje quem faz é a gente por ela (P23).
Mamãe agora é o bebe da casa (P24).
Você viu a boneca dela? Fica brincando com a boneca [...] é como cuidar de uma criança (P25).
Papai já não tem tanta resistência, já não faz mais nada, assim, que fazia antes, é uma criança (P09).
Ainda que se possuam tecnologias que amparem o cuidado ao idoso no domicílio, a família se fragiliza diante da situação de dependência deste e, assim, toda a dinâmica familiar é modificada.13 Percebe-se que os depoimentos denotam a situação de que o cuidador, que na maioria era filho e cônjuge, se coloca no lugar de pais do enfermo, muitas vezes, até percebendo o mesmo como uma criança, passível de cuidados redobrados, invertendo, assim, as posições que eram estabelecidas antes da patologia.
Por fim, percebeu-se modificações estruturais no domicílio voltadas para o cuidado, encontrados em depoimentos de mudanças no ambiente domiciliar do idoso, de maneira a colaborar com as suas necessidades após o AVE. É bastante comum, em idosos que sofreram AVE, a instabilidade postural, sensorial, motora e de locomoção.11 Dessa maneira, entende-se que se faz necessário adaptar o ambiente, melhorando a comodidade e conforto do idoso, como demonstrado nas UA seguintes.
[...] só mudou no banheiro, foi colocado uns ferros (P07).
[...] Nos canto da casa, umas borrachas no chão e no quarto eu fiz uma cadeira pra quando ela tiver necessidade (P24).
[...] Mudou também alguma coisa na casa, o quarto dela todinho, que foi adaptado (P22).
[...] teve que fazer reforma no banheiro, suporte para ele segurar (P08).
Em casos de idosos que sofreram AVE, o mesmo após a saída hospitalar, requer cuidados especiais diante de suas necessidades. Assim, uma das maneiras de reorganizar o ambiente para receber o enfermo na volta ao seu domicílio, é realizar algumas adaptações estruturais na casa, com o mobiliário como cama, mesa e cadeira e possíveis equipamentos que possam vir a ser utilizados como a cadeira de rodas ou de banho.14
Toda a dinâmica, portanto, se altera em virtude da adaptação, ou melhor, da readaptação deste idoso que sofreu AVE ao seu convívio familiar. Vale lembrar, que uma minoria dos participantes respondeu afirmações quanto a mudanças na estrutura da casa, uma vez que estas alterações envolvem questões ainda do tipo financeiras.
A última categoria, Sem alterações na rotina familiar, evidenciou que alguns cuidadores consideraram que não houve alterações no padrão de rotina na família, ou pelo menos, estes não as perceberam como significantes a ponto de repsentá-las nos momentos de entrevista e que eram condizentes em seu contexto familiar. Assim, se vê nas seguintes UA.
Nada mudou na família (P27).
[...] quase nada, os filhos continuam vivendo a vidinha deles, cada um vivendo sua vida, eu é quem cuido dele (P27).
Mudou nada [...] (P28).
Não consegui ver mudança (P28).
[...] tudo igual na família, quem cuida, cuida, quem não cuida, cada um em suas casas (P29).
[...] o que mudou foi pra mim, na família nenhuma mudança, tudo sou eu (P30).
Esses depoimentos, embora tenham sido de poucos participantes, estão em desacordo com os achados da literatura, que apontam predominantemente a dinâmica da família com alterações, em casos de doenças crônicas, inclusive e, especialmente, em casos de AVE. A rede familiar sofre uma desestruturação em sua conjuntura devido ao impacto do processo de adoecimento e, pode vir a apresentar dificuldades, durante a prestação de cuidados ao paciente, após as limitações impostas pelo AVC.4
Também sabe-se que uma das modificações existentes na rotina familiar após o AVE é a inserção de um cuidador que se destina ao apoio do idoso dependente e que pode ainda se sobrecarregar com o excesso de atividades que lhe são atribuídas em face das necessidades da patologia.14
Alguns pontos de cuidado a serem inseridos como meta para melhora na reabilitação inclui questões referentes ao autocuidado, controle de eliminações vesicais, cuidado nos processos de pensamento, processos de comunicação, cuidado com a manutenção da integridade da pele, incluindo até o restabelecimento das funções familiares, uma vez que as mesmas podem ser desfavorecidas diante a crise patológica.9
Em conclusão, ficou exposto que a família que vivencia a situação de cuidado a pessoa idosa, após AVE, possui experiências de modificações em sua estrutura e equilíbrio uma vez que requer uma reorganização da rede familiar, a favor do atendimento às necessidades após a doença. As alterações sofridas pela família são constructos novos, a partir de uma realidade implementada, que se constitui, portanto, no acontecimento do AVE e seus esquemas de adaptação diante das novidades que lhe são apresentadas. Sugere-se, ainda, que se possa utilizar o que de fato o cuidado representa na situação de adoecimento por seu ente familiar, a partir da apreensão de sua realidade vivenciada e que se possa abstrair as dificuldades apresentadas em sua reorganização a fim de atender às demandas do idoso.
É válida, todo tipo de ação da enfermagem no sentido de capacitar o cuidador familiar junto a sua equipe de saúde, no sentido de prepará-lo para as situações adversas no pós AVE, na busca da manutenção do equilíbrio familiar. Crê-se, assim, que a qualidade da assistência no âmbito do domicílio equivale às ações intencionais de educação em saúde que podem e devem ser realizadas pela equipe, tanto a da rede hospitalar, que acolhe o paciente em estado agudo, quanto à da Unidade de Saúde da Família, que visita e acolhe toda a rede familiar do idoso.
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Recibido:
2015-08-25
Aprobado: 2016-04-16
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